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2 de agosto de 2012

Minha avó.

Minha avó adorava viajar. a mala dela sempre estava pronta, e quando penso nela é disso que eu lembro, das malas prontas.
Eu tinha uns sete anos quando ela morreu. lembro que aos domingos íamos (meu pai e eu) visitá-la em uma casa de velhinhos. meu pai parava em uma padaria de esquina e comprava um pão sovado pra acompanhar os chazinhos em xícaras de porcelana que ela preparava pra nós. e na hora de ir ela sempre me dava um presente. uma boneca de pano. ela mesmo que costurava o corpo da boneca, e enchia de retalhos, e pregava botões azuis no lugar dos olhos, e bordava a boca com linha vermelha, e colocava cabelos de crochê, e até fazia vestidinhos com pedaços de anáguas e laços de juta. quando ela morreu minhas bonecas pararam de sorrir e começaram fazer meu pai chorar, não demorou muito e elas deram lugar pra um grande vazio, nunca mais as vi. eu gostaria de lembrar mais da minha avó.
Espremendo minha memória consigo vê-la sentada em uma cadeira de vime fazendo tricô. vejo também ela me ajudando vestir a calcinha no chuveirão de uma praia, acho que ela foi minha mãe por um tempo. tenho um clarão na memória entre minha mãe ir embora e a morte da minha avó.
Hoje fui comprar um maço de cigarros e no caminho passou por mim uma menina de mais ou menos sete anos com uma boneca de pano nas mãos, ela sorriu pra mim e continuou andando, não tinha ninguém com ela, nem mãe, nem avó, ela estava sozinha. por um momento imaginei ter cruzado comigo mesmo, então olhei pra traz e ela já não estava mais lá. deve ter sido só minha imaginação, ou, ela apenas dobrou a esquina, sei lá. prefiro pensar que cruzei com meu passado na rua, e que aquela era a boneca mais linda que minha avó já fez.
Cheguei em casa, abri a janela, acendi um cigarro e fiquei olhando o nada. lá estava minha avó sentada em uma cadeira de vime, ela vestia um chambre azul e  fazia uma boneca de pano pra mim.
Eu não lembro muito da minha avó. nem sei se chorei quando ela morreu. só sei que dormia abraçada com as bonecas de pano que ela fazia pra mim. sinto saudades daqueles domingos.