Páginas

12 de janeiro de 2013

Gritos mudos


Ela tinha perdido a mãe, o pai, os amigos
tinha perdido tudo o que conhecia
só restava Deus
Ela aprendeu que ele sempre a amaria
que ele sempre a ouviria em qualquer hora e em qualquer lugar
todas as noites ela pedia pra Deus não deixar ninguém fazer nada de mal pra ela

ela pedia pra Deus fazer aquele sofrimento parar de doer
ela pedia pra Deus trazer sua mãe de volta
seu pai de volta
ela pedia pra Deus trazer pra perto dela qualquer um que a amasse
qualquer um que a fizesse feliz nem que por alguns segundos
qualquer um que a fizesse sentir algo que não fosse dor

Ela tinha apenas 13 anos quando seu quarto começou ser frequentado durante as madrugadas
sem seu pai
sem sua mãe
sem ninguém que a ouvisse gritar

Ela apenas caía de joelhos no chão e pedia pra Deus que a livrasse do mal
e que afastasse qualquer um daquela maldita porta
Ela gritava baixinho enquanto mordia seu travesseiro
ela chamava por Deus
ela chamava seu pai
sua mãe
qualquer um
qualquer um que pudesse ouvir aquele grito baixinho que quase ninguém era capaz de ouvir

ela gritou
gritou
gritou
até ficar muda
ela tinha apenas 13 anos quando ficou muda
fria
e oca

Maldita porta sem trancas
maldita solidão
maldita dor que a gente sente quando ficamos mudos
malditas todas as náuseas doloridas
malditos surdos que nunca ouvem um grito de dor

Não demorou muito para os joelhos cicatrizarem
só restaram as marcas
o tempo não pode apagar marcas
com o tempo a dor ficou suportável
com o tempo a dor se encaixou nos buracos que ficaram no peito
com o tempo a dor foi a única coisa que restou

Nunca mais falei com Deus.

Nenhum comentário: